The Weeknd não foi indicado ao Grammy, e você também deveria ficar puto com isso

Jessica Gomes
10 min readNov 29, 2020

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Querem entender o que tá acontecendo? O motivo de só falarem disso na timeline como se não tivesse outros b.o.? Não tá entendendo nada do que tá rolando? Pode ficar suave, tia Jé te explica. Mas se segura, porque tem textão.

Primeiramente, QUENHÉ THE WEEKND NA FILA DO PÃO?

Farei um resumão beeeeem por cima. Abel Makkonen Tesfaye, mais conhecido por seu nome artístico The Weeknd, é um cantor e produtor canadense, com pais etíopes. Ele sempre trampou com R&B, e é tido como um grande revolucionário da cena nos últimos tempos porque incluía no som, estilos alternativos, indie, e eletrônica, dentro de uma carreira de mais ou menos 10 anos. Seus trampos sempre tem um conceito de visual, personagem, e estética juntamente com influencias pontuais de estilos. Teve um momento que o som dele era chamado de “dark R&B” porque tinha um som mais melancólico e letras mais reflexivas.

No ano passado ele lançou o single ”Heartless” e depois “Blinding Lights”, que tem uma pegada super oitentista. Esses dois singles já foram sucessos imediatos, e já ditavam essa “nova era” com todo um conceito visual novo. “Blinding Lights” inclusive muito importante pro Abel, porque é a música que ficou mais tempo no Top 10 das paradas de singles norte americanas, vendeu mais de 6 milhões de cópias só nos EUA, e tá a mais de 300 dias no top 10 do Spotify mundial (pode conferir, hoje tava lá ainda rs).

Esse ano ele lançou o álbum “After Hours”. Novamente, a crítica especializada babando ovo, outros artistas o citando como inspiração, o hype lá em cima, sendo considerado um dos melhores trabalhos do ano. O metacritic, que é um site aonde críticos musicais pontuam os lançamentos, ele está em 80, um número super alto.

O sucesso do álbum foi enorme, quebrando recorde com mais de 1,02 milhões de usuários pré-adicionando o álbum às suas bibliotecas na Apple Music. “After Hours” estreou no topo da parada norte-americana Billboard 200, e marcou as maiores vendas de primeira semana de um álbum em 2020. Todas as 14 canções entraram na parada na norte-americana Billboard Hot 100, com dez delas chegando ao top 40.

Ou seja, esse era o ano desse cara, os clipes foram incríveis, visuais maravilhosos, todas as apresentações super bem produzidas. Ele tava rapando geral as premiações, então ele pensou “bom, esse álbum tem uma pegada pop, logo, vou me inscrever como pop pelo grammy, e rapar tudo lá. Afinal, até me chamaram pra cantar na premiação, certo?”. ERRADO!

Antes de falar da treta em si, vamos falar o que pega sobre a relação do Grammy com os artistas pretos.

O Grammy Award dos Estados Unidos, é reconhecimento à excelência do trabalho e conquistas na arte de produção musical e, provendo suporte à comunidade da indústria musical, que existe desde 1959. A relevância dele é enorme, assim como o Oscar é para o cinema.

Esse ano rolou dedo no gramofone e gritaria, porque a então presidente da premiação, Deborah Dugan, foi demitida do rolê, e resolveu explanar. Ela denunciou a Academia por diversas causas super graves (mas que não falarei aqui porque o foco é outro), incluindo o racismo com funcionários e indicados ao Grammy. Além disso, explicitou que eles davam preferência em dar os prêmios a artistas de gêneros como country, pop e rock, onde a maioria dos músicos são brancos.

A questão, é que por mais que negros tivessem uma visibilidade, os números sempre foram menores em relação a indicados e premiados brancos. Só para ter noção, em 62 anos de existência, apenas 10 artistas negros ganharam na categoria Álbum do Ano, que é considerada a mais importante da noite. Há mais ou menos 12 anos, um artista negro não ganha nessa categoria.

Além disso há uma questão, que na maioria das vezes os negros só ganham se estiverem concorrendo a categorias de “gêneros negros”. Ou seja, um negro concorrendo a rap tem mais chance de ganhar do que um negro concorrendo a country, por exemplo. Kanye West, Frankie Ocean e outros artistas negros já falaram sobre isso.

Nesse momento acho até justo citar o que rolou com a Nicki Minaj e o Grammy, porque foi algo que ela falou muito na época, e relembrou agora com o caso do The Weeknd. Ela chegou a ser indicada 10 vezes, mas nunca venceu nada, nem como artista revelação, sendo ela uma das favoritas. Ela já relatou boicote direto de um dos produtores, onde ele falou que Nicki estaria acabada dentro da indústria quando ela não o obedeceu em uma das premiações.

“Nunca se esqueça que o Grammy não me deu meu prêmio de melhor nova artista quando eu tinha sete músicas simultaneamente em todas as paradas e com maior sucesso do que qualquer rapper mulher na última década — passei a inspirar uma geração. Eles deram para o homem branco Bon Iver (cantor de folk).”

Grammy Vs. The Weeknd

No dia 24/11/2020 foram anunciados os indicados ao Grammy 2021. Entre os nomes, estavam Harry Styles, Beyoncé, Dua Lipa, Billie Eilish, Taylor Swift, Lady Gaga, BTS, Bad Bunny, Drake, Travis Scott, Justin Bieber, mas epa, cadê o The Weeknd? Pois é, ninguém entendeu nada, afinal ele era definitivamente um dos favoritos, e não recebeu nenhuma indicação, nem dos prêmios técnicos.

Opiniões como “Poxa, mas vai ver o Grammy não liga pros números que você falou né?” ou “Ah, mas vai ver eles querem mais saber sobre qualidade”. A treta querides é que nas indicações vocês acham facilmente pessoas que não tiveram nem a mesma popularidade, e nem o mesmo respeito pela crítica. Então a pulga atrás da orelha só cresce.

No Grammy os artistas que escolhem as categorias que querem concorrer. “Heartless” foi a única música que ele colocou na categoria R&B, o que causou estranhamento maior, pois nem na categoria “manjada” para negros, ele conseguiu emplacar. Ele tentou também submeter na parte de “melhor performance solo de pop”, a música “Blinding Lights”, e mesmo esse ano eles expandindo de 5 pra 6 indicados, não rolou.

Das submissões que ele fez, só as que são consideradas “categorias de nicho negro” foram a R&B e “Melodic Rap Performance”, mas nem assim foi indicado. De resto, ele colocou tudo em pop, o que está certíssimo, pois pra ele, a critica, e os fãs, era evidente o apelo sobre esse estilo.

Sobre essas submissões, ele tinha dado uma entrevista para a Rolling Stone, no começo do ano, onde explicava melhor sobre seus motivos. Eles citaram sobre o grammy ter criado a categoria “Melhor Album Urbano Comtemporâneo” e para o Abel, isso parecia ser algo pra colocar “artistas negros que fazem música inovadora” num lugar só. De acordo com ele, fazia mais sentido se colocar no pop “R&B e Black Music são uma variedade muito grande. Se eles nos colocarem em uma categoria, ainda acho que não é justo. Vamos ver como vai ser esse ano”.

Isso só mostra aquilo que falei lá pelo meio do texto: aparentemente o Grammy só dá atenção para negros se eles estiverem nos locais estabelecidos para eles. Na hora que soltaram na mídia os indicados rolou uma comoção da imprensa, dos fãs dele, e até dos fãs de outros artistas, porque sabiam do potencial desse trabalho do The Weeknd.

Então, ele se pronunciou no seu instagram e twitter falando: “”O Grammy continua corrupto. Você (a academia) deve transparência a mim, aos meus fãs e a indústrias”. Esse post foi curtido por vários artistas gigantes que mostraram apoio a Abel.

Até o Sir. Elton John se pronunciou sobre o que aconteceu: “na minha humilde opinião… “Blinding Lights” Canção do Ano 🙌 Registro do ano 🙌” (Atenção pra Pabllo metendo um “não mentiu mona” nos comentários, perfeita)

Drake fez stories sobre o que rolou também, onde disse: “Eu acho que deveríamos parar de nos chocar todo ano pela desconexão entre as músicas que impactaram e esses prêmios, e apenas aceitar que, o que uma vez foi a maior forma de reconhecimento, talvez não tenha mais importância para os artistas de agora e os que virão depois. É como seu parente que você espera que mude, mas eles não conseguem mudar os hábitos.”

Enfim, armada a confusão, o presidente interino da Academia de Gravação, Harvey Mason Jr., negou que tivessem falhas nas eletivas, dizendo que nunca pensaram em desprezar artistas específicos, “trata-se apenas de tentar encontrar a excelência”. Nem preciso falar que fedeu demais esse role de que estavam “em busca a excelência” né. Ele ainda disse: “Houve um número recorde de aplicações neste ano incomum e competitivo. Nós entendemos que Weeknd esteja decepcionado por não ser indicado. Fiquei surpreso e tenho empatia com o que ele está sentindo. Sua música este ano foi excelente, e suas contribuições à comunidade da música e ao mundo foram dignas da admiração de todos.”

Meio a tudo isso, surgiram teorias sobre o que aconteceu, que The Weeknd teve de escolher entre sua apresentação no SuperBowl (campeonato do futebol deles lá) e se apresentar na premiação do Grammy, mas que ao escolher a primeira opção, tinha sido boicotado. Aí o presidente do Grammy falou que “Para ser claro, a votação em todas as categorias terminou muito antes que a apresentação de Weeknd no Super Bowl fosse anunciada, então não há como isso tenha afetado o processo de indicação”.

Ele havia mesmo sido convidado a se apresentar no Grammy, mas por conta da falta de indicações, ele fez outro pronunciamento no twitter e instagram: “Planejando uma apresentação de forma colaborativa por semanas para não ser convidado? Na minha opinião, zero nomeações = você não foi convidado!”

Enquanto eu escrevia esse texto gigante (desculpa, eu sei) ele postou um vídeo do Prince em seu Instagram. No vídeo, o Prince fala: “Eu cresci em um mundo branco e negro, dia e noite, pobre e rico. E desde que era um garoto, sempre disse que um dia eu faria todo o tipo de música, sem ser julgado pela cor da minha pele, mas pela qualidade do meu trabalho e eu espero que isso continue. Eu acredito que muitas pessoas entendem isso, porque elas apoiam os meu hábitos, e eu apoio o delas”.

Ta, mas é só um prêmio, e daí?

Assim como o Oscar, podemos reduzir sim a só um prêmio, mas o interessante desse caso é que mostra altas doses de estruturalidade. SIM, DEPOIS DESSE TEXTO GIGANTE EU AINDA VOU MILITAR, ME DEIXA.

Isso é só pra mostrar que “eu já sabia”, mas na real não sabia, foi muito pior do que imaginei.

A resposta que o presidente do Grammy deu é muito emblemática, afinal, mostra que pessoas pretas tem sua “excelência” reconhecida apenas quando se “colocam em seu devido lugar”. Não que seja demérito ganhar prêmios já dado para pessoas pretas, mas é muito mais fácil um branco ganhar um prêmio de rap, como Macklemore em 2014 vencendo sobre Kendrick Lamar com “Good Kid, m.A.A.d City” (um dos álbuns mais importantes de rap dos últimos anos), do que um negro ganhar na categoria pop.

Em 2017, Adele ao ganhar o maior prêmio da noite, de álbum do ano, ficou incrédula pois quem concorria também era Beyoncé com o “Lemonade”, que era um marco na cultura pop. Em seu discurso, enquanto recebia o troféu, Adele falou: “Eu não posso aceitar este prêmio; estou muito honrada, muito agradecida e enobrecida, mas a artista da minha vida é a Beyoncé. O álbum ‘Lemonade’ foi tão monumental, Beyoncé. Foi tão monumental e bem pensado, lindo e íntimo… Nós apreciamos isso. Todos nós, artistas daqui, a adoramos. Você é a nossa luz. A maneira como você faz eu meus amigos se sentirem, a maneira como você faz meus amigos negros se sentirem é empoderadora, e você os faz serem fortes. E eu amo você, sempre amei, sempre amarei”.

Compreendem como o buraco é muito mais embaixo que uma estatueta? Mostra como artistas pretos ainda são boicotados, mesmo tendo uma grana ferrada, e que seu reconhecimento é limitado. E não achem que isso só rola no Grammy, isso vai desde o VMA da MTV norte americana (quem lembra do Kanye revoltado pq Beyonce não tinha ganhado o clipe do ano com “single ladies”?), quanto em Prêmio Multishow e MTV MIAW, o lance é observarmos e estarmos atentos. Enfim, há 13 anos uma pessoa preta não ganha o “albúm do ano” no Grammy. Fazem 13 anos que nenhum negro solta um álbum digno de prêmios?

Pessoas negras não são limitadas a fazerem sons específicos, trabalhos específicos. Pessoas pretas podem ser alternativas, indies, pop, rock, e é sobre tudo isso que The Weeknd está querendo chamar atenção, e por isso fiz questão de explicar todo esse rolê.

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Jessica Gomes

Jornalista, amante de música, cultura geek, e discussões gerais.